segunda-feira, 22 de outubro de 2007

mirko

.
Mirko acena da única janela acesa, a mais alta de um prédio de quatro andares no bairro de Kreuzberg, em Berlim. Pede pra que eu espere. Fico no pátio, no centro do quadrado de prédios, estou cansado e deixo a mochila no chão. Ouço um eco (primeiro longe, sem forma), são os degraus, é um par de tênis e há intervalos entre os lances de escada. Isso me diverte, imaginar as paredes cortadas, como numa grande casa de bonecas. Mirko diz que mora sempre em últimos andares, nos apartamentos mais altos. O barulho de um copo, um talher, alguém caminhando: é sempre possível enlouquecer, à noite, quando se vive sozinho. O prédio da frente costumava ser maior, Mirko me conta. Uma bomba durante a guerra decepou a parte de cima, no térreo morava um alfaiate judeu, ele ficou refugiado ali, não podia sair. Hoje, a família do alfaiate é dona do conjunto de prédios e aluga os apartamentos, o preço é baixo e a vizinhança, simpática. Kreuzberg é o bairro turco de Berlim. Descemos o quarteirão e chegamos à uma pequena porta onde uma velha russa vende falafels. Mirko sugere algumas opções de lugares para irmos depois de comer. Pensando na vista, escolho o da grande janela, no terceiro andar de um prédio perto dali. A primeira impressão é de um edifício residencial, não há letreiro na entrada e da rua não ouço barulho nenhum. No escuro, subimos a escada, dobramos num corredor e alguém atrás do olho mágico abre a porta. Entramos em uma sala esfumaçada, com balcão, música, pessoas bebendo e falando (conversam incrivelmente baixo). A janela aponta para um viaduto. No inverno, Mirko diz, Berlim é outra cidade, fica irreconhecível por causa da neve. Mirko lembra de uma viagem de trem que fez quando era pequeno para a casa de amigos dos pais, na França. Foi a primeira vez que saiu da parte oriental da Alemanha, onde nasceu e foi criado. Quando chegou, ganhou motos, carros, helicópteros. Nunca tinha visto tantos brinquedos. Ele me conta a mesma história de novo, depois do bar. A avenida Karl Marx fica mais larga à noite, é impossível de atravessar.
.