quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

barricada

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"Resta somente resistir, não ser como aqueles que, à medida que a intensidade de sua imaginação juvenil vai decaindo, se acomodam à realidade e se angustiam pelo resto da vida. Resta somente tratar de ser dos mais obstinados, manter a fé na imaginação durante mais tempo que outros. Amadurecer com obstinação e resistência: amadurecer, por exemplo, ditando uma conferência de três dias sobre a ironia de não ter conhecido a ironia quando jovem. E depois envelhecer, envelhecer muito e mandar ao diabo a ironia, mas aferrando-se pateticamente a ela para não ficar sem nada e ser o alvo aterrorizante da ironia dos outros"

(Paris não tem fim, Enrique Vila-Matas)
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sábado, 19 de janeiro de 2008

pobre e feliz

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O passado, diz Proust, não se move de lugar. Mas isso faz tempo. Em Paris não tem fim (CosacNaify), ao propor a “revisão irônica” da juventude parisiense do seu narrador, o escritor catalão Enrique Vila-Matas prova que tudo se move, sobretudo o passado, e que a ironia é a imensa e grande arte do deslocamento. O livro é também a história do próprio Vila-Matas que, tal o seu personagem, passou seus anos de aprendizado na capital francesa, nos anos 70, em um quartinho que alugou de Marguerite Duras, e lá escreveu o seu primeiro romance. Enquanto Hemingway, em Paris é uma festa, celebra a cidade onde foi “muito pobre e muito feliz”, Vila-Matas, como quem tira de cima de si um bicho, demole qualquer nostalgia de Paris, lugar onde foi “muito pobre e muito triste”.

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No verão de 1959, Vargas Llosa chegou a Paris, pobre e feliz. A primeira coisa que fez foi, numa livraria do Quartier Latin, comprar um exemplar de Madame Bovary. Passou a noite trancado no quarto, enfeitiçado pela heroína de Flaubert. Na época, Llosa escrevia o seu primeiro livro, A cidade e os cachorros, que ficaria pronto em 1961. A cidade e os cachorros (Alfaguara) é, em grande parte, essa madrugada em que Llosa, lendo Flaubert, descobriu que tipo de escritor gostaria de ser. O resultado é um livro de querer pular do segundo trampolim do Terrazas, roubar os cadarços do Vallano, colar na prova de química, ser amigo do Alberto e do Jaguar, vadiar pelos corredores do colégio militar Leoncio Prado, em Lima, e não dormir, passar a noite no quarto, enfeitiçado pelos homenzinhos de Llosa.
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