sexta-feira, 5 de setembro de 2008

receita de panqueca

.
Muita gente diz que, perto da realidade, a ficção é panqueca.

Nos anos 60, o Tom Wolfe viu o jornalismo tomando o lugar do romance. "Os romancistas abandonaram o realismo", dizia. "A literatura mais importante escrita hoje na América é de não-ficção." Ele queria que o jornalismo, o Novo Jornalismo (reportagens apuradas com técnicas em geral associadas à literatura), alcançasse o "status" que tinham os romancistas.

Além de só usar ternos brancos e feiosos, ele fazia uma curiosa leitura histórica: chamava a atenção para uma suposta semelhança entre os primeiros dias do romance e os do Novo Jornalismo ("Em ambos vemos surgir um grupo de escritores trabalhando um gênero considerado Classe-Baixa -- o romance antes de 1850 e o jornalismo das revistas populares antes de 1960"), e pintava o realismo como o maior dos gêneros (“O gênio de qualquer escritor estará seriamente comprometido se ele abandonar as técnicas do realismo. Ninguém jamais se comoveu até as lágrimas com Homero, Sófocles ou Shakespeare. Mas todos choram com Charles Dickens.”)

Ou talvez o problema seja comigo. O sonho dos heróis, por exemplo. Não é uma história (de todo) realista, não tem as crianças e o natal do Dickens, mas, puxa, desde que a Julia me deu o livro, há dois anos, estou chorando sem parar. Tem uma noite do carnaval de 1927, uma noite que o protagonista não consegue lembrar e decide tentar repetir passo a passo na intenção de recuperá-la. Perto da busca por essa noite perdida, em que algo extraordinário e revelador aconteceu (ele só não consegue se lembrar o quê -- como quando a gente acorda e perde aquilo que viveu, nos sonhos), perto de coisas assim, a "realidade" é que gruda na frigideira e faz a maior fumaça.

Mas estou sendo injusto com o Tom Wolfe. O Bioy Casares conta, no prólogo da edição argentina do Sonho, que o real esteve ali, o tempo todo: "Es difícil reconstruir con exactitud la génesis de un libro, incluso de uno proprio. Muy en el principio tuvo que haber estado la idea de que la realidad puede ser fantástica en cualquier momento. A veces la vida nos da una visión momentánea de algo que quiebra el orden de la realidad, como si el mundo estuviera hecho de infinitos mundos que de vez en cuando confluyen. (...) La parte fantástica de El sueño de los héroes fue menos lo que me impulsó a escribir que la vida en Buenos Aires, la amistad, la lealtad, todos esos temas que hay en la novela me entusiasmaron más que lo asombroso del argumento. Muchas circunstancias que aparecen en el libro son recuerdos de relatos que se contaban en un restaurante donde se reunían los choferes de taxi, en calle Montevideo, al que de chico me llevaba Joaquín, el portero de casa. Allí se contaban historias en las que trasnochadores de vida rumbosa, después de una noche de farra en algún cabaret, salían en un taxi abierto a dar grandes paseos con mujeres por los bosques de Palermo. Creo que haber escuchado esas historias fue uno de los móviles que me llevó a la novela. Otro fue la ansiedad que sentimos cuando creemos haber perdido algo en un sueño, una experiencia que casi todos hemos tenido. (...) En cuanto a los personajes, traté de darles realidad, que no fueran sólo marionetas para hacer posible el argumento, como había ocurrido en mis libros anteriores."
.