sexta-feira, 26 de março de 2010

guia são paulo fim de semana

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Fabrício passeia com Eva Green. Piva ciceroneia Fernando Pessoa.
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"(...) no fim do dia ver com Eva Green o sol se pôr na praça do Pôr do Sol/ se Eva Green for maconheira é melhor ter um baseado no bolso/ falar de Rimbaud com Eva Green/ mas Eva Green tem cara de quem prefere Baudelaire/ traduzir Bandeira para Eva Green/ Tom Jobim para Eva Green/ Bocage para Eva Green/ em hipótese alguma ler os poemas que escrevi sobre Eva Green/ tomar um drinque no Terraço Itália com Eva Green/ visitar Betito e Gô com Eva Green/ não ir com Eva Green ao La Tartine/ a não ser que Eva Green esteja muito nostálgica/ ir ao cinema com Eva Green?/ à praça Roosevelt com Eva Green?/ sei que Eva Green não gosta de boate/ apresentar a Eva Green uma boa padaria/ amanhecer na Paulista com Eva Green/ roubar um carro conversível/ e descer para Santos com Eva Green"

(Fabrício Corsaletti, "Plano", 2010)

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"(...) Agora, vem comigo ao Bar, e beberemos de tudo nunca passando pelo caixa,/ Vamos ao Brás beber vinho e comer pizza no Lucas, para depois vomitarmos/ tudo de cima da ponte,/ Fernando, vamos ler Kierkegaard e Nietzsche no Jardim Trianon pela manhã/ enquanto as crianças brincam na gangorra ao lado/ Vem comigo, eu te mostrarei tudo: o Largo do Arouche à tarde, o Jardim da Luz/ pela manhã, veremos os bondes gingando nos trilhos da Avenida,/ assaltaremos o Fasano, iremos ver "as luzes do Cambuci pelas noites de crime",/ onde está a menina-moça violada por nós num dia de Chuva e Tédio,/ Não te levarei ao Paissandu para não acordarmos o sexo do Mário de Andrade/ (ai de nós se ele desperta!),/ Mas vamos respirar a Noite do alto da Serra do Mar: quero ver as estrelas refletidas/ em teus olhos."

(Roberto Piva, "Ode a Fernando Pessoa", 1961)
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quarta-feira, 10 de março de 2010

reeducação alimentar não é andar com brócolis embaixo do braço

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Texto para o caderno Outlook do Brasil Econômico. Sobre tevê a cabo.

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Para alguns, como o assessor do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, a tevê a cabo é um “veículo propagador do capitalismo” (“encarnação do demônio”), cuja influência só pode ser comparada ao poderio bélico da 4º Frota, divisão da marinha norte-americana que atua no Atlântico Sul.

Para outros, a tevê se assemelharia ao próprio assessor de Lula na categoria Charles Bovary, personagem de Gustave Flaubert cuja conversa era “sem relevo como uma calçada e as ideias de todo o mundo nela desfilavam com seu traje comum”.

Mas, claro, nada é tão simples.

Basta o controle remoto, um clique, e pronto: somos informados via Bloomberg sobre os índices pluviométricos e a acidez do solo no Japão. Na Fashion TV, aprendemos a fazer um turbante. "A Croácia é o país da moda", decide o apresentador do People + Arts, elencando os “Must-Haves for the Holiday Season”. Na Fox Life, doctor Phill, homem calvo, cultor de bigode e que (de acordo com a programação do GNT) poderia ser beneficiado pela chamada "reeducação alimentar e prática da ioga", comanda a atração A família vai ao tribunal, sobre rixas familiares que ganham contornos especialmente dramáticos diante da plateia – o episódio do dia trata de filha que proíbe mãe de visitar netos.

Um close revela os chamados hábitos alimentares do bicho-preguiça. De uma folha, na copa da árvore, o mamífero sorve água da chuva ("a preguiça toma um drinque", diz a narração, dublada, em off). No Animal Planet, ficamos sabendo que apesar de lentas em terra, as preguiças são excelentes nadadoras, além de não possuírem esmalte no dente. Há preguiças com dois dedos e preguiças com três dedos.

Para grande parte dos telespectadores da tevê a cabo, o fim das olimpíadas de inverno de Vancouver significou tristeza e pelotas na alma. No lugar das deslizantes pedras de granito de 20 quilos do curling (novo esporte nacional), o Sportv passou a exibir o campeonato de vôlei (Florianópolis contra Pinheiros) e o Sportv2, no horário antes destinado ao slalom gigante, entrevistou padre Leandro, “o sacerdote motorizado”, que participou do Moto Trilha em Anitápolis (SC).

Na Mega TV, compradores de colchão receberam como brinde um travesseiro da Nasa (não pergunte), e o reality show Recém-casados e recém-brigados, do canal Discovery Home and Health, tenta devolver o amor a jovens casais e ajudá-los, de forma urbana, a fazer as pazes.

Na faixa nobre, os canais Discovery transmitem os chamados "documentários para todos os gostos": Titanic, respostas do abismo, Profundezas: águas misteriosas e A origem dos alimentos: lula.

National Geographic exibe quarto episódio da segunda temporada de programa sobre mandíbulas e a especialista insiste, no GNT, que reeducação alimentar "não é andar com brócolis embaixo do braço".

Embora a revista Veja, em resposta ao assessor Marco Aurélio, tenha qualificado a tevê a cabo de “criativa, plural e independente”, nada é tão simples, suspira o telespectador, babando no controle remoto.

Posicionar-se ante a variedade de canais que o mundo disponibiliza a seus assinantes exige dedicação. Surpreender-se com o documentário sobre tatus-bola e crer na liberdade de escolha pelo pay-per-view (que época!) é uma atitude possível. Outra seria acreditar que também eles, os tatus-bola, perderam a graça e que comprar pelo pay-per-view não é exatamente digamos assim uma escolha. Não são as únicas, e a reflexão pode ser realizada enquanto o apresentador de Como funciona: cerveja ensina que cerveja não cria a barriga de cerveja.

Trata-se de mito.
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segunda-feira, 8 de março de 2010

so much depends upon a red wheel barrow

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Walker Evans, fotos em Birmingham e no Alabama, 1936
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sexta-feira, 5 de março de 2010

o que falta aos peixes

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"Falta aos peixes qualquer meio de comunicação conosco; assim, não conseguem despertar a nossa compaixão. Abocanham a isca mesmo quando estão são e salvos na água! Além disso, a morte não lhes altera o aspecto. Sua dor, se existe, permanece perfeitamente escondida sob as escamas." Italo Svevo, no meu episódio preferido d'A consciência de Zeno (1923), o da pesca. Em tempo: não demora e o Zeno aí do título pega um dourado de três quilos! Depois compõe uma fábula intitulada "O camarão meditativo": A vida é bela, mas é preciso ter cuidado onde se senta. Também inventa a fábula do peixe que vai ao dentista. E diz, cheio de orgulho: "As minhas fábulas pareceram-me esplêndidas. As coisas que brotam de nosso cérebro têm um aspecto de todo amável, principalmente quando examinadas logo após o nascimento". Hitchcock conta a história de um roteirista que sempre tinha suas melhores ideias no meio da noite e, quando acordava, não conseguia se lembrar delas. Então pensou: "vou pôr um papel e um lápis ao lado da cama, e quando a ideia chegar poderei escrevê-la". Então, no meio da noite, o sujeito acorda com uma ideia notável, realmente fantástica. Escreve-a com detalhes e volta a dormir. Na manhã seguinte, enquanto está se barbeando, lembra que teve uma ideia excelente. E lembra que dessa vez (alegria) anotou tudo. Corre até o quarto, apanha o papel e lê: "Rapaz se apaixona por uma moça".
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terça-feira, 2 de março de 2010

happy days

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Galeria de escritores arruinados pelo crack e suicidas, na revista Life. Abaixo, Faulkner bem verão e Jean Cocteau em chamas.




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