segunda-feira, 22 de julho de 2013

boa semana

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"Lover's Cave", Is Tropical, I'm Leaving, 2013
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quinta-feira, 18 de julho de 2013

é maravilhoso acordar juntos

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"It is marvellous to wake up together
At the same minute; marvellous to hear
The rain begin suddenly all over the roof,
To feel the air clear
As if electricity had passed through it
From a black mesh of wires in the sky.
All over the roof the rain hisses,
And below, the light falling of kisses.

An electrical storm is coming or moving away;
It is the prickling air that wakes us up.
If lightning struck the house now, it would run
From the four blue china balls on top
Down the roof and down the rods all around us,
And we imagine dreamily
How the whole house caught in a bird-cage of lightning
Would be quite delightful rather than frightening;

And from the same simplified point of view
Of night and lying flat on one’s back
All things might change equally easily,
Since always to warn us there must be these black
Electrical wires dangling. Without surprise
The world might change to something quite different,
As the air changes or the lightning comes without our blinking,
Change as our kisses are changing without our thinking."

"It is marvellous to wake up together...", Elizabeth Bishop, circa 1940.
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sábado, 6 de julho de 2013

lembrança de 1987

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Texto da Camila Kehl sobre o Campo em branco + duas perguntas:
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1) Dois irmãos se reencontram depois de dez anos vivendo longe um do outro. Eles estão na cidade estrangeira onde Mirko, o mais velho, agora mora. É Lucio, aquele que vai até onde está Mirko, quem conta a história.

2) Mirko insiste para que ele e Lucio repitam uma viagem feita há muito tempo. O destino é Cabo Blanco, um lugarejo desolado nas montanhas. Em Cabo Blanco faz frio e venta um bocado, e a grande atração são gigantes de pedra. Lucio sequer se recorda da primeira vez em que estiveram ali — a ausência de lembranças não parece um problema, no entanto, e lá vão eles no velho carro de Mirko.

3) O leitor não está diante de uma narrativa linear sobre o reencontro entre dois irmãos que não se viam há tempos, ou, o que também é possível intuir, de um relato de viagem. É mais do que isso: é uma mistura quase caótica de tempos e lugares, insights e recordações, todos relacionados a Lucio. A grande sacada da graphic novel de Emilio Fraia e DW Ribatski é justamente permitir que o leitor tire as próprias conclusões — que dê às cenas o significado que julgar adequado e as ordene como quiser. É preciso empenho (e alguma reflexão) para enxergar certas coisas: a tarefa é retirar um sentido de Campo em branco. Longe de ser inconsistente, o resultado é incrível.

4) Pergunto para Emilio Fraia como funciona o trabalho a quatro mãos de um escritor e um ilustrador: “No início, pensei que eu poderia escrever uma novela, um conto longo, e o DW adaptaria e pronto, feito, tudo sairia como eu havia imaginado. Mas ao longo do processo fui entendendo que para comunicar certos climas, ritmos, tempos e intenções que estavam na minha cabeça, o caminho devia ser outro. Porque numa história em quadrinhos, boa parte desses climas, ritmos etc. tem a ver com o aspecto visual, a maneira de decupar as cenas, pensar como a história avança de um quadro para o outro, de uma página para a outra. Existe um aspecto material mesmo, cada página ou quadro pode, por exemplo, exigir um tempo diferente do leitor, prolongar ou comprimir a sensação de tempo. Foi interessante ver como esses e outros efeitos podem ser criados numa HQ. Num romance, para além do enredo, a forma está nas palavras, na maneira como o escritor estrutura a narrativa. Na história em quadrinhos, isso está no traço, na disposição e tamanho das imagens, no avançar pelas páginas — há uma sintaxe muito particular, e é ela que vai determinar o ritmo, o foco narrativo, o tom e, principalmente, produzir significados e dialogar com a trama. Ficou claro que não queríamos fazer um roteiro desenhado. O DW trouxe muitas ideias, e nós fomos tentando explorar ao máximo o que a linguagem dos quadrinhos poderia oferecer”, escreve. Vale lembrar que Fraia produziu outro trabalho a quatro mãos: O verão do Chibo, livro escrito em parceria com Vanessa Barbara.

5) A resposta de Fraia é providencial para que o leitor preste ainda mais atenção aos detalhes das imagens, e especialmente à passagem de cenas.

6) Lucio é (ou foi) estudante de Física. Há, portanto, várias alusões ao assunto — e mesmo as falas ou pensamentos genéricos do protagonista parecem combinar com alguém que o compreende em profundidade. “Se eu quiser conhecer a trajetória com clareza, preciso sacrificar meu conhecimento sobre o ponto em que estou”; “Se eu quiser conhecer onde estou com grande clareza, preciso sacrificar meu conhecimento sobre minha trajetória (de onde vim, pra onde vou)”; “uma concentração exagerada na verdade é um tipo de distração”; “Como a atenção a um detalhe específico sacrifica, por definição, nossa percepção do todo”. Essa necessidade de alternar entre o todo e o detalhe vale tanto para os personagens — que precisam compreender o próprio contexto, além de preencher furos da memória — quanto para o leitor, que enxerga aí uma pista para criar seu próprio significado para o livro.

7) Ribatski utilizou tons de azul, além de preto e branco. E só.

8) Para constar: DW Ribatski é o ilustrador da fantástica capa de A brincadeira favorita, de Leonard Cohen.

9) O subtítulo de Campo em branco é “Lembrança de 1987″. Fraia esclarece, abaixo, o motivo da escolha.

10) A propósito do lançamento de Campo em branco, Emilio Fraia escreveu, para o blog da Companhia das Letras, um texto sobre a cor branca. Faz sentido evocar um trecho de Moby Dick, uma vez que Melville, no capítulo que dedicou ao assunto, foi um incansável crítico da cor branca: “Ou será que o branco, em sua essência, não é uma cor, mas a ausência visível de cor, e, ao mesmo tempo, a fusão de todas as cores; será que são essas as razões pelas quais existe um espaço em branco, repleto de significado, na ampla paisagem das neves — um ateísmo sem cor e de todas as cores do qual nos esquivamos?” (grifo meu; retirado da edição da Cosac Naify — tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza).

11) Até um gato que surge nas páginas deixa dúvidas: será o de Schrödinger?

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+ duas perguntas para Emilio Fraia:

(Numa das últimas páginas de Campo em branco, uma ilustração mostra os títulos de dois livros que provavelmente pertencem a um dos personagens.)

Os contos de E. T. A. Hoffmann e A narrativa de A. Gordon Pym, de Edgard Allan Poe, exerceram algum tipo de influência sobre o conteúdo de Campo em branco? No caso do segundo, existe alguma relação entre ele e o que você menciona no blog da Companhia (no texto, você diz: "‘O secreto argumento desse romance é o medo e a vilificação do branco’, escreveu Borges, em seu ensaio ‘A arte narrativa e a magia’, sobre o único romance de Edgar Allan Poe, A narrativa de A. Gordon Pym")?

O subtítulo do livro, "Lembrança de 1987", vem de um conto do Hoffmann, “O cavaleiro Gluck”, cujo subtítulo é “Lembrança do ano 1809″. É uma homenagem e ao mesmo tempo opera um efeito de realidade: se é uma lembrança, aconteceu. No caso do Campo em branco, a gente tentou embaralhar onde exatamente está esse ano de 1987. Na história, há planos temporais diferentes e, a princípio, todos eles poderiam ser 1987. Sobre o Poe, sim, A narrativa de A. Gordon Pym é um livro sobre o branco. Então, no finzinho do álbum, quando o personagem abre um armário, colocamos ali, escondidinhos, esses dois livros.

Fica claro, no livro, que não importa que se estabeleçam as mesmas condições para determinado fenômeno: os resultados irão diferir. Um professor de física de Lucio diz que “dependendo do que a gente coloca aqui, muda tudo”. Indo além do próprio enredo, é possível dizer que, com base nisso, cada leitor tem uma interpretação diferente de Campo em branco?

Sim, queria pensar essa possibilidade em diferentes níveis: na história dos irmãos que tentam reencenar uma viagem da infância, voltar ao mesmo lugar, subir a mesma montanha, nadar no mesmo lago e recuperar, assim, uma experiência (impossível de ser recuperada); e numa espécie de diálogo com o leitor, que pode projetar suas ideias sobre o que afinal move esses personagens. Por que o irmão mais novo decide procurar o mais velho? Por que o irmão mais velho propõe que refaçam a tal viagem da infância? O que de fato, objetivamente, acontece durante a jornada? Tudo isso interessa. Mas interessa, para mim, porque são perguntas que talvez não tenham respostas simples. Os personagens talvez não saibam responder com exatidão — porque, afinal, uma resposta nunca é simples, e dependendo do jeito de olhar, muda tudo. Me pareceu uma maneira interessante de explorar a ideia de espaço em branco, que é o contrário da certeza e da assertividade, e é um conceito muito gráfico também, bom para uma história visual.
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segunda-feira, 1 de julho de 2013

diário de huilo huilo

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Terça-feira

Em Temuco, o ar tem cheiro de lenha queimada. É tão denso que ao esticar o braço a sensação é de atravessar algo vivo. Nas casas, as lareiras e aquecedores forçam os termômetros para cima — na frente do pequeno aeroporto, à noite, faz sete graus. A luz da torre de comando acende um feixe de névoa e, desaparecendo, fica para trás: de Temuco até Huilo Huilo são 190 quilômetros (desde Santiago são 860), por uma estrada que margeia lagos enormes, como o Panguipulli. No carro, o motorista coloca um CD com pios de pássaros (e APENAS pios de pássaros), no repeat. Ele fala de uma espécie da região, o chucao, que vive nas gretas, nas fendas das pedras. Em mapudungun, língua mapuche, o superlativo é formado a partir da repetição de palavras: Huilo Huilo significa “grande fenda”. 

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Quarta-feira

Na subida para dois vulcões, os gêmeos Mocho-Choshuenco — 2422 e 2415 metros —, é possível ver o lago Pirehueico, que liga Huilo Huilo a San Martín de Los Andes, na Argentina — a travessia é feita numa barcaça e leva uma hora e meia. Pirehueico significa “lugar de água de neve”. No povoado de Neltume, lá embaixo, cai uma chuva fina. O clima é produto da umidade carregada pelos ventos do Pacífico, que se condensa por causa da corrente de Humboldt. Chove muito em Huilo Huilo. Em Neltume, todos os nomes remetem a árvore. Há uma praça chamada O Bosque, margeada pela rua dos Trevos, um bar chamado Tronco Velho, perto das ruas dos Ciprestes e das Acácias. A principal atividade da cidade sempre esteve ligada à madeira. A ocupação da vila começou em 1870 — até então, os únicos habitantes eram os Mapuche. Em 1898, foi construída a primeira empresa florestal. Em 1942, foi instalada uma fábrica de compensados e, mais tarde, de portas e janelas.  

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Quinta-feira

Estou num hotel chamado A Montanha Mágica. Tem formato piramidal e treze quartos (os quartos vão ficando menores à medida que se sobe a rampa interna circular). No livro do Thomas Mann, um jovem vai visitar um primo num sanatório destinado ao tratamento de doenças respiratórias, nos Alpes suíços. É diagnosticado com tuberculose e acaba ficando no lugar por meses e, depois, anos. Mais de uma vez, alimentei a seguinte ficção: estou viajando, sozinho, quando algo extraordinário acontece — da noite para o dia, um decreto fecha as fronteiras do país, ou perco magicamente meus documentos, ou inicia-se uma invasão alienígena — e não posso mais voltar para casa e sou obrigado a viver, então, nesse lugar novo e estranho. Longe de casa, vou precisar aprender os códigos locais, me adaptar, e não conheço ninguém, não sei falar a língua, estou sozinho e numa posição inferior. 

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Sexta-feira 

Numa construção anexa, nos fundos do hotel, ficam seis caldeiras. De quinze em quinze minutos, um homem alimenta as fornalhas com madeira. Ele trabalha ali há sete anos. Antes, era cozinheiro. Reveza-se em turnos de oito horas com outros quatro caldeireiros. Num depósito ao lado, ficam os pedaços de tronco, que ele próprio corta. Diz que os termômetros devem permanecer em 60 graus. Não muito longe, enfileiram-se árvores fincadas no chão, ao contrário, com as raízes para o alto. O homem explica que quando estavam pensando na construção de um dos hoteis da reserva, o Nothofagus (nome da classe de árvores da qual fazem parte o carvalho e o raulí), colocaram as árvores ali, de ponta cabeça, para ilustrar a ideia. 

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Sábado

No fim da tarde, é possível avistar cervos e guanacos. No inverno, eles saem dos bosques e descem as montanhas, em busca de alimento. Outro animal da região é o huemul, tipo de cervo do sul do Chile. No lugar, funciona um centro de conservação do bicho. Estima-se que, hoje, existam menos de 1500 exemplares no mundo — dez deles estão na reserva. Além do huemul, lutando por atenção e sobrevivência, há o pudú, o menor cervo do mundo. Ele tem dez quilos, quarenta centímetros e aparência de pelúcia. De volta ao hotel, nos jardins dos arredores, as plantas crescem feito pêlos numa orelha de avô. A piscina está cheia de folhas. No chão, o mato sobe e se enrola nas estátuas de criança, que lembram o Peter Pan dos jardins de Kensington. Penso que isso constitui uma espécie de eixo horizontal. O eixo vertical é representado pelo carvalho que fica na parte interna do hotel, sob uma claraboia. Parece haver um diálogo entre esta árvore (deve ter uns vinte metros), que aponta para o alto, e as plantas e folhas que cobrem o chão. Penso numa convergência entre esses dois eixos, o da árvore, a neve, a montanha (vertical) e o da lenha, folhas caídas, a caldeira (horizontal). 

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Domingo

Em Santiago, num bar chamado Liguria. Tem um balcão comprido que vai dar num segundo salão, de pé direito altíssimo. O chão é de ladrilho e as paredes cobertas de mapas, cartazes, placas de ruas antigas e fotografias — um Frank Sinatra sendo fichado pela polícia paira sobre nossas cabeças.
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