sábado, 12 de dezembro de 2015

consenso, mercado, exceção

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"Por que essa tendência a confundir maioria e consenso com democracia, ainda mais quando se trata de arte? Porque a exceção, que é fundamental nas artes e que por isso mesmo precisa ser defendida a despeito de gostos e tendências, é também o que está ligado ao risco, ao disfuncional, ao erro e ao fracasso. Nada disso combina com discursos politicamente edificantes.

Umas das principais perversões do mundo contemporâneo tem a ver com a confusão entre essas duas visibilidades: 1) a visibilidade (e o direito à existência) do que antes não podia ser visto e 2) a visibilidade autorreplicante do que quanto mais se vê mais é visto.

São duas coisas completamente diferentes e, em certo aspecto, conflitantes. No primeiro caso, está a população que antes era segregada às rodoviárias e hoje tem direito de acesso aos aeroportos e ao transporte aéreo, como qualquer cidadão. No segundo, está o princípio de mercado elevado à enésima potência pelos algoritmos que estruturam a lógica da internet: quanto mais uma coisa é vista, mais ela será visível. Ou seja, você tende a ver somente o que todo mundo vê, embora a rigor tenha acesso a tudo.

Pela lógica tautológica da internet, o que ninguém acessa torna-se cada vez mais inacessível, embora esteja, em princípio, disponível. É fácil entender como as exceções são banidas desse mundo da visibilidade total para um limbo de invisibilidade que equivale ao desaparecimento e à inexistência. E nesse sentido, associar a exceção na arte a elitismo e a antidemocracia não ajuda nem democratiza coisa nenhuma."

"Visibilidade", Bernardo Carvalho
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