domingo, 14 de agosto de 2016

atletas, corpo, beleza (e terror)

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"Beauty is not the goal of competitive sports, but high-level sports are a prime venue for the expression of human beauty. The relation is roughly that of courage to war.

The human beauty we’re talking about here is beauty of a particular type; it might be called kinetic beauty. Its power and appeal are universal. It has nothing to do with sex or cultural norms. What it seems to have to do with, really, is human beings’ reconciliation with the fact of having a body. There’s a great deal that’s bad about having a body.

If this is not so obviously true that no one needs examples, we can just quickly mention pain, sores, odors, nausea, aging, gravity, sepsis, clumsiness, illness, limits — every last schism between our physical wills and our actual capacities. Can anyone doubt we need help being reconciled? Crave it? It’s your body that dies, after all.

There are wonderful things about having a body, too, obviously — it’s just that these things are much harder to feel and appreciate in real time. Rather like certain kinds of rare, peak-type sensuous epiphanies (“I’m so glad I have eyes to see this sunrise!” etc.), great athletes seem to catalyze our awareness of how glorious it is to touch and perceive, move through space, interact with matter. Granted, what great athletes can do with their bodies are things that the rest of us can only dream of. But these dreams are important — they make up for a lot."

"Federer como experiência religiosa", David Foster Wallace, 2006

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"O Atleta W não tem poderes sobre sua vida. Nada tem a esperar do tempo que passa. Nem a alternância dos dias e das noites nem o ritmo das estações lhe serão de alguma valia. Suportará com igual rigor a neblina da noite de inverno, as chuvas glaciais da primavera, o calor tórrido das tardes de verão. Certamente pode esperar que a Vitória melhore sua sorte: mas a Vitória é tão rara e tantas vezes irrisória! A vida do Atleta W não é senão um esforço obstinado, incessante, a perseguição extenuante e vã desse instante ilusório em que o triunfo poderá trazer o repouso. Quantas centenas, quantos milhares de horas esmagadoras por um segundo de serenidade, um segundo de calma? Quantas semanas, quantos meses de esgotamento por uma hora de descanso?

[...] É preciso vê-los, esses Atletas que, com suas roupas listradas, parecem caricaturas de esportistas de 1900, lançarem-se, cotovelos junto ao corpo, numa grotesca prova de velocidade. É preciso ver esses lançadores cujos pesos são bolas de canhão, esses saltadores com tornozelos atados, esses saltadores em distância que caem pesadamente num fosso cheio de estrume. É preciso ver esses lutadores cobertos de alcatrão e de plumas, é preciso ver esses fundistas saltitando num pé só ou apoiados nas mãos e nos pés, é preciso ver esses sobreviventes da maratona, estropiados, transidos, tropeçando entre duas fileiras cerradas de juízes de linha armados de varas e paus, é preciso vê-los, esses Atletas esqueléticos, de rosto cadavérico, com a espinha sempre curvada, aqueles crânios calvos e luzentes, aqueles olhos cheios de pânico, aquelas chagas purulentas, todas aquelas marcas indeléveis de uma humilhação sem fim, de um terror sem fundo, todas essas provas, administradas cada hora, cada dia, cada segundo, de um esmagamento consciente, organizado, hierarquizado, é preciso ver funcionar aquela máquina enorme em que cada peça contribui, com uma eficácia implacável, para o aniquilamento sistemático dos homens, para não mais achar surpreendente a mediocridade dos desempenhos registrados: os 100 metros rasos correm-se em 23 segundos, os 200 metros em 51; o melhor saltador jamais ultrapassou 1,30m."

W ou a memória da infância, Georges Perec, 1975
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