domingo, 10 de dezembro de 2017

stop writing / about your mother they said

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[...] my head up toward the sun
which brightly cancels
if you’re reading this then
I survived my life into yours
you who told your brother you were hungry
so he stole a roasted chicken
so he tucked it under his sky
-blue shirt & it’s not

your fault reader you had
to work you had to get up
in the blood-blue dawn to warm
up your car you who held
instant coffee with both hands
ate your lunch of Wonder Bread dipped
in condensed milk in the parking lot
alone you bought me pencils reader I could

not speak so I wrote myself into
silence where I stood waiting for you mom
to read me do you read me now do you
copy mayday mayday you who dreamed
of dipping shreds of chicken
into fish sauce as you hid in the caves
above your village you white
devil girl starving ghost

but I shouldn’t have been so
hungry you said looking up
at the leaves vermilion through the brother
-blue sky I hated my hunger the veins
on your fists the jar all amber crush
empty as a word
-less mind stop writing
about your mother they said

but I can never take out
the rose it blooms back as my own
pink mouth but how
can I tell you this when you’re always
to the right of meaning
as it pushes you further into white
space [...]

Trecho de "Dear Rose", Ocean Vuong, 2017
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domingo, 8 de outubro de 2017

tudo o que acontece tem um rosto

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Texto que escrevi para a revista ZUM, introdução para "A fotografia como linguagem universal", de August Sander:



Ver, observar e pensar. Foi sobre esse tripé que o alemão August Sander (1876-1964) fixou sua obra. Em “A fotografia como linguagem universal”, quinta parte de uma série de seis conferências radiofônicas realizada entre março e abril de 1931, Sander nos mostra que tudo está à vista, basta olhar as pessoas com atenção: um só instante (gesto, dobra, expressão) encerra o germe de muitos anos por vir e quase toda uma época.

É a partir da ideia de que “tudo o que acontece tem um rosto” que Sander elabora um dos conceitos-chave de sua obra: o conceito de “fisiognomonia”. De acordo com Sander, é possível constatar pela interpretação da fisionomia o que “uma pessoa faz e o que não faz”, como se comporta, se está contente ou angustiada. Mas para além do rosto – a vida inevitavelmente deixa marcas no rosto –, a fisionomia, aqui, é entendida de maneira ampla.

Estão em jogo elementos como a postura, as roupas, o ambiente, gestos e movimentos – o bigode aventureiro e cheio de pompa de um guarda florestal e seu cão; o olhar de mármore da jovem cujo cigarro não sabemos se vai aproximar ou afastar dos lábios; a dupla de funcionárias do circo que, com seus uniformes e chapéus, exibem diligentemente o programa com as atrações do espetáculo da noite. Para o fotógrafo alemão, isso tudo faz parte do “caráter particular” de uma pessoa – e, portanto, de seu tempo, porque cada indivíduo traz na fisionomia “a expressão da época e a mentalidade de seu grupo”. Intitulada “Essência e evolução da fotografia”, a série de conferências para o Westdeutscher Rundfunk (WDR), em Colônia, aconteceu num momento crucial da trajetória de Sander. Dois anos antes da transmissão, em 1929, havia sido publicado Semblante da época, livro que deu fama a Sander – e que se tornaria um clássico da fotografia de todos os tempos. Pensado como volume introdutório de seu monumental projeto Os homens do século vinte, uma série de mais de 500 imagens, iniciada em 1910, Semblante da época tinha como objetivo esboçar uma “imagem fisiognomônica” dos alemães de seu tempo.

Através de retratos de clientes, homens e mulheres, que ele visitava como fotógrafo itinerante, e de outras fotografias produzidas ao longo de décadas – arquivo que expandiu, corrigiu e reordenou durante toda a vida –, Sander captou a dramática transformação de seu país numa nação industrializada e, nas palavras do escritor alemão Alfred Döblin, “escreveu sociologia sem escrever”. Além de documento fundamental para entender a ampla criação de Sander, “A fotografia como linguagem universal” (que foi ao ar na manhã do dia 12 de abril de 1931 e durou vinte e cinco minutos) exibe uma reflexão muito particular sobre a arte do retrato. O fotógrafo pode ser um intérprete de vidas, um antecipador de histórias mas, sobretudo, a obra de Sander nos diz, ele pode carregar “a imagem da época” consigo, em seu trabalho.
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terça-feira, 19 de setembro de 2017

sobre o tempo

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Texto novo no blog da Companhia das Letras.

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Richard McGuire, em entrevista recente feita pelo jornalista Ramon Vitral, explica assim a gênese de sua graphic novel, Aqui:

“Eu tinha acabado de me mudar para um apartamento, isso em 1988, e estava pensando em quem havia morado lá antes de mim. Então tive a ideia de fazer um quadrinho que ficava indo e voltando no tempo. Escolhi o canto de uma sala porque poderia funcionar como uma tela dividida, como você vê de vez quando em filmes, de forma que o lado esquerdo fosse para frente e o lado direito para trás. Fiz alguns esboços simples. Depois, um amigo me visitou e contou do computador dele e de um programa chamado Windows, foi quando ficou claro que eu poderia usar essa estrutura de janelas para mostrar múltiplas perspectivas de tempo simultaneamente.”



Em 1989, a nona edição da Raw, lendária revista de quadrinhos editada por Art Spiegelman e Françoise Mouly (onde Spiegelman começou a publicar sua obra-prima, Maus), trazia a história de McGuire. Eram seis páginas, trinta e seis quadros, o embrião do que viria a ser a graphic novel, publicada anos depois, em 2014, nos Estados Unidos.

Chris Ware, autor do já clássico Jimmy Corrigan, lembra da sensação ao se deparar com a história pela primeira vez: “Enquanto a maioria dos trabalhos publicados na Raw eram experimentais, expressionistas, de estilo sofisticado, Aqui era uma combinação de texto e imagem sem grandes atrativos, monótona, caseira até. Sentado no sofá, senti o tempo se expandir infinito, para frente e para trás, e tive a exata noção de todos os grandes pequenos momentos entre dois pontos. Não era só a minha cabeça: o livro de McGuire estourava os confins da narrativa gráfica e ampliava seu universo de um lampejo só, introduzindo uma dimensão nova à narrativa visual que rompia com a leitura tradicional dos quadrinhos, de cima para baixo e da esquerda para a direita. E a estrutura era orgânica, acenando não só ao passado da mídia, mas também sugerindo seu futuro”.



Observar as seis páginas da história de 1989, reproduzidas aqui (com tradução do Érico Assis, tradutor também da versão brasileira do álbum), e depois correr os olhos pelo livro, é uma experiência que leva a pensar na própria lógica da narrativa de McGuire e sua reflexão sobre o tempo. Há a questão sobre como um trabalho pode se desenvolver com o passar dos anos e se transformar praticamente em outro. E há, sobretudo, a ideia de que estamos vendo Richard McGuire ver o canto da sala e como esta visão se modifica quando vamos da obra de 2014 para a de 1989 e vice-versa. 

Num exercício à Boyhood, Richard McGuire deveria se propor a refazer a história a cada quinze anos, adicionando novos episódios, mas principalmente recontando o que já foi contado, o mais fielmente possível.





Sartre, no texto que escreveu em 1939 sobre a questão do tempo no grande romance sobre o tempo que é O som e a fúria, diz que “para alcançar o tempo real, é preciso abandonar a medida inventada do relógio que, afinal, não é medida de nada”. E cita um trecho do livro de Faulkner: “o tempo morre sempre que é medido em estalidos por pequenas engrenagens; é só quando o relógio para que o tempo vive”.

Enquanto McGuire escolhe a imagem de um homem sentado, observando o que se passa no espaço do canto de uma sala, Sartre compara a visão de Faulkner à de “um homem sentado num carro conversível olhando para trás” – “não param de aparecer à sua direita e à sua esquerda sombras disformes, lampejos, vibrações difusas, confetes de luz que apenas mais tarde, com um recuo, passarão a ser árvores, homens, carros”.



“O passado”, escreve Sartre, “ganha assim algo de surreal: seus contornos são rijos e nítidos, imutáveis; o presente, inominável e fugidio, defende-se dele com dificuldade; ele está cheio de buracos e, por esses buracos, as coisas passadas o invadem, fixas, imóveis, com o silêncio dos juízes ou dos olhares.” É uma sensação parecida a que sentimos à medida que viramos as páginas e tentamos desembaralhar e reestabelecer a cronologia de Aqui. Mas o que McGuire e Faulkner parecem nos dizer, cada um a seu modo, é que mesmo quando estão em ordem, os passados não se ordenam segundo a cronologia. Para Faulkner, inclusive, a desgraça do homem é ser temporal.

Numa das passagens mais bonitas de O som e a fúria, Quentin conta o que o pai lhe disse quando deu a ele o relógio que havia sido de seu avô: “Dou-lhe este relógio não para que você se lembre do tempo, mas para que você possa esquecê-lo por um momento de vez em quando e não gaste todo seu fôlego tentando conquistá-lo”. Algumas páginas depois, Quentin pega o relógio e bate com ele na quina de um móvel uma, duas, várias vezes, até quebrar o vidro. Arranca os ponteiros, mas o tique-taque não para.


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quinta-feira, 10 de agosto de 2017

dois poemas dos anos 60

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Mi país no es Grecia,
Y yo (23) no sé si deba admirar
Un pasado glorioso
Que tampoco es pasado
Mi país es pequeño y no se extiende
Más allá del andar de un cartero en cuatro días,
Y a buen tren.

Quiza sea que ahora yo aborrezca
Lo que oteo en las tardes: mi país
Que es la plaza de toros, los museos,
Jardineros sumisos y las viejas:
Sibilinas amantes de los pobres,
Muy proclives a hablar de cardenales
(Solteros eternos que hay en Roma),
Y jaurías doradas de marocas.

Mi país es letreros de cine: gladiadores,
Las farmacias de turno y tonsurados,
Un vestirse los Sábados de fiesta
Y familias decentes, con un hijo naval.

Abatido entre Lima y La Herradura
(El rincón Hawai a diez kilómetros
De la eterna ciudad de los burdeles),
Un crepúsculo de rouge cobra banderas,
Baptisterios barrocos y carcochas.
Como al paso senil del bienamado, ahora llueve
Una fronda de estiércol y confeti:
Solitarios son los actos del poeta
Como aquellos del amor y de la muerte.

Luis Hernández, "El Bosque de los Huesos", Las Constelaciones, 1965

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Tomar uma Coca-Cola com você
é até mais legal que ir a San Sebastian, Irun,
[Hendaia, Biarritz, Bayonee
ou que sentir dor de barriga na Travessera de
[Gràcia em Barcelona
em parte porque com essa camisa laranja você parece
[um São Sebastião melhorado e mais feliz
em parte por causa do meu amor por você, em parte
[por causa do teu amor por iogurte
em parte por causa das tulipas laranja fosforescentes
[ao redor das bétulas
em parte por causa do ar misterioso dos nossos
[sorrisos diante de pessoas e estátuas
é difícil acreditar quando estou com você que
[possa haver algo tão inerte
tão solene tão desagradavelmente definitivo como
[estátuas quando bem na frente delas
na luz forte de Nova York às 4 da tarde vagamos
[de um lado para o outro
entre nós mesmos como uma árvore que
[respira pelos óculos

e a exposição de retratos parece não ter um
[rosto sequer, só tinta
de repente você se pergunta por que raios alguém
[se deu ao trabalho de pintar aquilo
eu olho
pra você e eu gosto mais de olhar pra você do
[que pra todos os retratos do mundo
com exceção talvez, às vezes, do Cavaleiro Polonês 
[que, aliás, está no Frick
aonde graças a Deus você ainda não foi e então
[podemos ir juntos pela primeira vez
e isso de você ter movimentos tão bonitos
[meio que dá conta do futurismo
assim como em casa eu jamais penso no Nu
[Descendo uma Escada ou
em um ensaio um desenho específico de Leonardo ou
[Michelangelo que costumava me deslumbrar
e de que valeu aos impressionistas toda
[aquela pesquisa
se eles nunca tinham a pessoa certa ao lado da
[árvore enquanto o sol descia
ou então Marino Marini ao não escolher o
[cavaleiro tão bem quanto o cavalo
parece que todos perderam alguma experiência
[maravilhosa
que eu não vou dar por perdida e é por isso
[que estou te contando

Frank O'Hara, "Tomar uma Coca-Cola com você", Lunch Poems, 1964 (tradução de Beatriz Bastos em Meu coração está no bolso, Luna Parque)
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domingo, 16 de julho de 2017

pegar um clipe

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"Há muito tempo, quando eu escrevia para revistas pulp, botei numa história uma frase assim: 'Ele saiu do carro e andou pela calçada banhada de sol até que a sombra de um toldo bateu em seu rosto como um jato de água fria'. Quando a história foi publicada, a frase foi cortada. Os leitores, argumentava-se, não gostavam desse tipo de coisa, que só atrapalhava a ação. Eu me dispus a provar que eles estavam errados.

Minha teoria é que os leitores acham que só se importam com a ação; que, na verdade, embora não saibam disso, o que importa para eles, e o que importa para mim, é a criação da emoção por meio do diálogo e da descrição. As coisas de que eles se lembravam, as que os impressionavam, não eram, por exemplo, que um homem fosse morto, mas que no momento de sua morte ele estivesse tentando pegar um clipe da superfície lustrosa de uma mesa e que este lhe escapasse, de modo que em seu rosto houvesse uma expressão de tensão, que sua boca estivesse meio aberta numa espécie de ricto atormentado e que a última coisa no mundo em que ele estivesse pensando fosse a morte. Ele nem sequer ouviu a morte bater à porta. O danado do clipe continuou escapando de seus dedos."

Raymond Chandler, em carta a Frederick Lewis Allen, 1948
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terça-feira, 16 de maio de 2017

que afinal de contas não viveram nada

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"Mas uma coisa sabemos: para que um mundo novo surja, é preciso primeiro que um mundo antigo morra.

E sabemos também que o intervalo que os separa pode ser infinitamente curto ou, ao contrário, tão longo que os homens devem aprender a viver em meio a desolação por dezenas de anos, para então fatalmente descobrir que são incapazes de fazê-lo e que afinal de contas não viveram nada. Quem sabe até sejamos capazes de reconhecer os signos quase imperceptíveis que anunciam que um mundo acaba de desaparecer, não o sibilo de um morteiro sobre as planícies estripadas do norte, mas o disparo de um obturador que mal perturba a luz vibrante do verão, a mão fina e gasta de uma mulher jovem que, no meio da noite, fecha devagarinho uma porta contra tudo que sua vida não devia ter sido ou a vela quadrada de um navio cruzando o Mediterrâneo ao largo de Hipona, trazendo de Roma a notícia inconcebível de que os homens seguem vivos, mas seu mundo não existe mais."

Jérôme Ferrari, "O sermão da queda de Roma", 2012
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segunda-feira, 6 de março de 2017

caught between an iceberg and a desert

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Jim Goldberg, Rich and Poor, 1977-85


"When I look at this picture I feel alone. It makes me want to reach out to Patty and make our relationship work", 1979
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"I think it best to present myself as being kind, polite, and pleasant. It is so important in a civilized existence. This photograph reveals what is under the surface: power, sexuality, self-confidence. One doesn't project this image in every situation - it can cause problems", 1980
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"To me life seems so messed up but little by little I am trying to over come that. Because it is hard being a woman and to accept me as I am", 1977
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"Very good! I think we fit in beautifully in the environment. The life we live comes naturally to us. We are aristocratic, well-bred: a cultured and civilized couple. I have never had to work a day in my life. I don't care if people like the way we live. All we want is peace and quiet", 1982
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"This picture says that we are a very emotional & tight family, like the three Musketteers. Poverty sucks but it brings us closer together", 1979
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"Much of my life is about managing and controlling things. This room is a place where I can sit back, and let go of the effort to be so powerful. At times, I feel much more power in art than I feel in myself. It's a good feeling", 1980
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"My face shows the intensity of a pained woman. I've been mugged and beaten. I didn't ask for this mess. This makes me look like a bum - I am not. I am fantastic Dorothy, a popular personality. The nicest person in the hotel", 1983
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"I wish I could see more softness within myself. Most of the time, as though in limbo, I feel caught between an iceberg and a desert", 1983
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